03/05/2017
Privatização da Cedae para ajustar contas do Rio esbarra em lei federal
O plano da equipe econômica de pressionar o governo do Rio de Janeiro a vender a Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae) em troca de ajuda para melhorar a situação fiscal do Estado esbarra numa legislação federal que inviabiliza a privatização da estatal fluminense e de qualquer outra que esteja na lista do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).
Com um déficit orçamentário previsto para 2017 de R$ 26 bilhões, nas contas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo do Rio recebeu autorização da Assembleia Legislativa para privatizar a Cedae em fevereiro, mas pouco se avançou até agora. Um dos problemas é que a Lei de Consórcios Públicos (11.107, de 2005) torna nulos contratos de fornecimento de água e operação de esgoto entre uma companhia estadual e municípios em caso de mudança de controlador da operadora.
Nesse caso, nenhuma empresa pagaria para assumir uma estatal sem operação, opina o advogado Eduardo Gurevich, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri. "Pegando o exemplo da Cedae, seu único ativo é o fluxo de caixa gerado pelos serviços com os municípios que a contrataram. São as receitas pagas pelas tarifas cobradas dos usuários. Se for privatizada sem alteração da lei 11.107, ela deixa de ter ativos, fica só com passivos, e passivos elevados", afirma Gurevich.
Carlos Gontijo, superintendente da Águas de Juturnaíba, empresa do grupo Águas do Brasil que responde pela concessão de saneamento em municípios do Rio, também não acredita numa privatização da Cedae "por causa dos enormes passivos, principalmente trabalhistas".
O marco regulatório do saneamento básico confere ao município autonomia e responsabilidade pela prestação de serviços de água e esgoto. Como a maioria das prefeituras não tem condições de estruturar sua própria empresa de saneamento, elas assinam contratos de programa com companhias estaduais. Esses contratos são regidos pela Lei de Consórcios Públicos e não são submetidos à concorrência com o setor privado, que detém apenas 6% de participação de mercado no país. O inciso 6º do artigo 13 da lei prevê extinção automática do contrato "no caso de o contratado não mais integrar o ente da Federação que autorizou a gestão associada dos serviços."
Gurevich conta que já alertou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o obstáculo que põe em risco não só a privatização da Cedae - que pode render entre R$ 5 bilhões e R$ 10,2 bilhões, conforme cálculos do banco BTG Pactual -, mas também o futuro de outras empresas estaduais de saneamento que podem ser privatizadas dentro do PPI.
No momento o BNDES é o principal articulador do processo de desestatização de mais de uma dezena de empresas de saneamento via PPI. O atual estágio é de escolha dos consórcios que definirão a modelagem da presença privada entre privatização, três tipos de concessão ou parceria público-privada (PPP). Analistas do setor esperam conclusões apenas para o segundo semestre do ano que vem.
Por meio de nota, o banco de fomento admitiu que, "de fato, eventuais alterações legais podem facilitar o desenvolvimento e incrementar a segurança jurídica dos projetos estruturados sob a coordenação do BNDES." A instituição acrescentou que participa de um grupo liderado pela Casa Civil da Presidência da República que discute "eventuais aperfeiçoamentos no arcabouço normativo aplicável ao setor de saneamento" e está mapeando e analisando o marco regulatório do saneamento em "todas as esferas federativas", mas que é de responsabilidade dos Estados escolher o modelo de negócio a ser adotado com a desestatização.
Christino Áureo, secretário da Casa Civil e de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela eventual privatização da Cedae, evitou dar detalhes sobre o tema. "Para aqueles que têm nos perguntado se as conversas [sobre a estruturação do modelo de desestatização da Cedae] já começaram, a resposta é sim. Mas elas são preliminares e vão avançar. Teremos ampla discussão sobre a modelagem", disse Áureo.
Para uma fonte interna da companhia, a nulidade dos contratos em caso de privatização está longe de ser um obstáculo intransponível. "[A questão dos contratos com os municípios] Dificulta a privatização, mas não a inviabiliza. O assunto teria que ser discutido com os municípios", diz, referindo-se às 64 prefeituras atendidas atualmente pela Cedae. "Antes mesmo da publicação do edital de privatização da Cedae a empresa poderia negociar previamente com os 64 municípios fluminenses atendidos atualmente uma forma de garantir a continuidade da prestação de serviços. Mas, para isso, seria necessário uniformizar os contratos de programa, que hoje têm formatos diferentes."
Segundo a mesma fonte, que falou reservadamente com o Valor, outra maneira de viabilizar a continuidade do atendimento seria ter como intermediário, entre os municípios e a Cedae, a Câmara Metropolitana de Integração Governamental, órgão governamental criado por lei em 2014 com o objetivo de integrar as políticas urbanas desenvolvidas pelo Estado e pelos municípios da Região Metropolitana do Rio. Para o advogado Eduardo Gurevich, as ideias poderiam ser aplicadas "no mundo da teoria". "No mundo fático é praticamente impossível, quer uma solução, quer outra."
Matéria publicada no Jornal Valor Econômico
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