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18/01/2020

Debate: O que acontece com a água do Rio de Janeiro?

A maioria de nós aprendeu na escola que a água para consumo humano deve ser insípida, inodora e incolor, ou seja, não possuir gosto, cheiro ou cor. No entanto, parece que as autoridades do Rio de Janeiro faltaram a essa aula. Nos últimos dias, boa parte da população carioca tem recebido em suas casas um efluente turvo, em alguns casos, com odor e sabor que se assemelha a terra, o que obriga a muitos adquirirem água mineral para utilização. Além do custo extra para o bolso, os estoques no comércio estão escassos, dada a elevada procura.

 

Já houve diversos relatos de pessoas que deram entrada nos hospitais da cidade reclamando de sintomas como dores abdominais, provocados por uma suposta contaminação do recurso fornecido pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Aliás, os dirigentes da empresa se posicionaram apenas na última quinta-feira (16), quase duas semanas após o início da crise hídrica. O governador Wilson Witzel, em férias nos Estados Unidos, se pronunciou no mesmo dia em uma rede social, afirmando que a situação é ‘inadmissível’.

 

Mas o que provoca, de fato, o problema na água no Rio de Janeiro? O Faixa Livre reuniu três especialistas para debaterem o assunto: o ambientalista Sérgio Ricardo, o professor associado do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Adacto Otoni e o diretor financeiro do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (Sintsama) João Xavier.

 

A principal suspeita levantada até aqui para a ocorrência de odor e cheiro do recurso natural é a geosmina, substância produzida por algas e que, segundo a companhia estadual, não provoca danos à saúde. Contudo, além das internações hospitalares registradas, há casos comprovados onde a turbidez da água é acentuada, o que gera dúvidas sobre o diagnóstico. Já em determinadas regiões da cidade, sequer há reclamações dos moradores, como em alguns bairros da zona Sul. O docente da Uerj prefere não oferecer uma análise definitiva sobre o episódio.

 

“Ninguém poderá responder a essa pergunta adequadamente porque tem de haver um diagnóstico da situação. Para ter um diagnóstico, é necessário um monitoramento preciso do que está acontecendo, tem de haver coleta de amostras adequadamente, há uma série de problemas que estão gerando esse gargalo. Obviamente a Cedae não é responsável pela geosmina, essas algas vêm dos rios, pela poluição ambiental, agora se há áreas em que o problema não é tão grande, o buraco é muito mais embaixo. Estamos na ponta de um iceberg”, relatou.

 

Apesar de não apontar um único motivo para o desequilíbrio, Otoni elencou uma série de fatos que demonstram a ausência de ação dos órgãos públicos no controle do saneamento básico no estado, desrespeitando normas estabelecidas.

 

“Uma política de saneamento ambiental adequada tem de estar articulada com a política habitacional, senão os mais pobres acabam morando na beira do rio e nas ocupações irregulares” – Sérgio Ricardo

 

“Há um descaso das autoridades com o saneamento, elas não estão investindo como devem. No caso, especificamente, além de o manancial estar cada vez mais poluído, as concessionárias de saneamento precisam ser bem controladas. Você precisa ter licenciamento, controle e monitoramento bem feitos, rigorosos. Da mesma forma que nós temos de limpar as caixas d’água das nossas casas a cada seis meses para garantir que a água fique protegida, os reservatórios de distribuição da Cedae também precisam ter manutenção e conservação”, disse.

 

“Outro problema podem ser os reservatórios de distribuição, eles têm de ser impermeabilizados. Como podemos ter a garantia que a concessionária está fazendo tudo direitinho? Se ela for bem controlada. Os órgãos de regulação e fiscalização da Cedae, de tratamento da qualidade da água da Vigilância Sanitária têm de permanentemente acompanhar o trabalho na estação de tratamento, os laudos de monitoramento, coletar amostras. A Cedae deveria apresentar relatórios trimestralmente não só sobre a qualidade da água, mas todos os processos de conservação que faz, como a manutenções das bombas”, prosseguiu o especialista.

 

O aparecimento de algas no manancial do rio Guandu, de onde é captada a água que chega à população do Rio, se dá pelos altos níveis de esgoto despejados. Os dejetos servem de alimento para os organismos. A poluição chega aos reservatórios, em especial, pelos rios Poços, Ipiranga e Queimados, afluentes do Guandu, que recebem matéria orgânica in natura de cidades da Baixada Fluminense.

 

A degradação do rio Paraíba do Sul, outro que fornece água para tratamento e distribuição, é mais uma questão que prejudica a captação. A retirada da vegetação das margens, com a ocupação desordenada, provoca erosão e afeta a qualidade e o volume do efluente.

 

A falta de investimentos do estado é latente. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Guandu, órgão formado por representantes da sociedade civil e do poder público, estima serem necessários R$ 2,2 bilhões, aplicados em 15 municípios fluminenses, para o saneamento. Destes, R$ 1,4 bilhão apenas para o esgoto. Outro dado alarmante é que apenas 28% dos dejetos são tratados no Rio de Janeiro.

 

O representante do Sintsama defendeu o trabalho realizado pelos profissionais da Cedae e destacou a influência da institucionalidade na nomeação dos diretores da empresa de saneamento. O próprio presidente da empresa, Hélio Cabral, foi investigado pelo Ministério Público Federal quando era membro do conselho diretor da mineradora Samarco, suspeito de ter conhecimento do risco de rompimento da barragem de rejeitos de Mariana.

 

“A água não é tratada igual para toda a cidade. A Cedae tem uma estação antiga e uma nova. Às vezes, a água tratada na estação antiga está boa e na nova, está ruim, e vice-versa” – Adacto Otoni

 

“A Cedae faz há anos o milagre de transformar aquela água barrenta em uma água que tem sido considerada, ao longo de décadas, uma das melhores do mundo. Isso graças à qualidade dos serviços técnicos dos profissionais desta empresa. Perdemos no último ano uma quantidade grande de técnicos pelo PDV (Plano de Demissão Voluntária) e, evidentemente, por mais que a gente aborde aspectos técnicos, se não houver uma compreensão da questão política, de nada adianta nossa opinião”, disse.

 

A água tratada que sai do Guandu é enviada à elevatória do Lameirão, a maior elevatória subterrânea do mundo, considerada o coração da estrutura de distribuição. De lá, o efluente é destinado aos diversos reservatórios da cidade, e aí pode estar mais um entrave, provocado pela ausência de segurança.

 

“Com esse desmonte que vem sendo feito, alguns reservatórios estão em situação de conservação que nem a Cedae consegue enxergar direito. O Estado deixou o dominar algumas áreas, que são de extremo risco, e isso dificulta o acompanhamento da Cedae. É uma realidade concreta, é um fato que cria um obstáculo. O Estado se omite muito nessa questão ao longo dos anos e, em particular, agora no Rio de Janeiro”, salientou Xavier.

 

“Não tem saída se o conjunto daqueles que pensam diferente com relação ao que está posto não apresentar ações unitárias em todos os sentidos” – João Xavier .

 

Os participantes do debate suspeitam da existência de uma tentativa do governo do Rio em acelerar o processo de venda de ativos da companhia. O governador Wilson Witzel, contrário à ideia durante o processo eleitoral de 2018, já chegou a anunciar que a despoluição do rio Guandu depende da verba obtida pelo leilão da Cedae.

 

Mais uma evidência do desmantelamento da empresa se dá pela análise da renovação de seu quadro funcional. O último concurso público para seleção de novos funcionários se deu em 2001, ainda na gestão de Anthony Garotinho. Em 2011, houve a última contratação de profissionais para a empresa, quando o ex-presidente Wagner Victer admitiu 740 operadores de elevatórias. Vale lembrar que a privatização da Cedae foi oferecida pelo estado como garantia, em acordo com o Governo Federal, para a aquisição de um empréstimo bilionário junto ao banco BNP Paribas, em 2017.

 

“O desmonte da Cedae com vistas à sua privatização e a falta de investimentos em saneamento básico são as causas principais desse problema atual. O governador dar uma declaração, que  considero um cinismo, submetendo qualquer investimento na proteção do sistema somente após a privatização da Cedae é brincar com a saúde das pessoas, é uma irresponsabilidade”, atacou Sérgio Ricardo.

 

“É uma falsa solução a ideia da mercantilização da água e do saneamento. Mais de 300 cidades no mundo que tinham privatizado o saneamento na década de 1990, reestatizaram exatamente porque as tarifas aumentaram e feriu a qualidade dos serviços”, prosseguiu o ambientalista.

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